terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Tauschring: servico de trocas

Quando converso com alguns amigos brasileiros que nao conhecem a Alemanha, sempre escuto perguntas como "o que existe aí que nao tem aqui?". É dificíl responder assim, de cara, pois há coisas aqui que existem no Brasil, mas sao um pouco distintas. E lembrar assim, tao rápido fica mais dificil depois de tanto tempo que vivo aqui. Aos poucos, algumas coisas vao se tornando normais para mim e eu acabo nao vendo muita novidade. Talvez seja por que eu ando desinformada e nao me intero do que já chegou no Brasil (afinal, muita coisa mudou no Brasil desde que saí de lá). Com o tempo vou me esquecendo. É assim que acontece, quando se vai envelhecendo!
Meu cérebro registra tudo como "uma coisa comum que deve existir em todo lugar do mundo". E aí, levo bem uns dias pensando na resposta para pergunta do meu interlocutor. E geralmente meu interlocutor nao tem tanto tempo assim disponível e muito menos saco para esperar o que eu tenho para dizer.

Assim, pensei bem numas coisas para poder escrever aqui. E vi ontem por acaso na TV, num programa chamado "Galileo"  (eu só assisto tevê alema) um projeto que existe aqui super interessante: Tauschring.


Logotipo do Tauschring (sistema de trocas de servicos) de Glinde
Fonte: 
www.tauschring-glinde.de/bilder/logo.index.gif


Tauschring é uma rede de comércio local sem fins lucrativos de bens e serviços que nao utiliza o dinheiro tradicional.
É um sistema de troca local que utiliza "o crédito" e nao é necessário fazer trocas diretasPor exemplo, um membro pode obter um empréstimo de babysitting para alguém e, em seguida, gastá-lo mais tarde, em uma carpintaria com outra pessoa da mesma redeNos sistemas de câmbio locais (ao contrário de outras moedas locais) nao sao oferecidos "bilhetes" (grana, bufunfa, dimdim) e sim "transações" (atividades, servicos, ajuda) que são coletadas em uma central, aberta a todos os membrosUma vez que o crédito é oferecido pelos membros da rede para o benefício de si mesmos, esse sistema de troca local também pode ser  conhecido como sistemas de crédito mútuo. Eu, particularmente chamaria isso de "servico de trocas solidarias".



 É uma idéia que já funciona em algumas capitais de estados alemaes e cidades grandes. O princípio é da troca de favores: você se registra gratuitamente colocando duas ou mais atividades das quais você pode oferecer e em troca, recebe pelo seu servico prestado algo chamado "Talento". E aí você tem acesso a uma lista de servicos disponiveis oferecidos por outras pessoas e pode receber algo em troca.


Um outro exemplo, para que fique mais claro: você se oferece para cortar cabelo de pessoas. Por esse servico, voce recebe 15 talentos. Com esses "talentos" você tem direito a receber algum servico que te interesse, tipo aulas de esqui, ajuda de alguém para empacotar a sua mudanca ou uma pessoa que esteja disposta a limpar as janelas  do seu apartamento.
O horário e os dias sao combinados entre você e a pessoa, através de contatos como e-mail ou telefone.


O servico de trocas é bom para se informar, fazer cursos, aprender coisas novas e ajudar pessoas, compartilhando com elas coisas que você sabe e gosta de fazer.


 As pessoas registradas no programa têm, claro, que respeitar algumas regras:  se você participa, você deve ter algo a oferecer. E estar disposto a ajudar outras pessoas. E claro, têm um prazo de validade para os talentos que você tem que pagar, que é de um ano, geralmente. 
Esse projeto é bem bacana para pessoas que têm vontade de conhecer outras pessoas. Ou que queiram ter contato com aqueles que possuem os mesmos interesses, ajudar, ocupar melhor o tempo livre e até - por que nao? - fazer amizades.


Afinal, aqui é algo dificil de conseguir: fazer amizades. E essa idéia ajuda as pessoas se encontrarem, se conhecerem e se ajudarem mutuamente.


Infelizmente nao posso falar por experiencia própria, já que nao tive a oportunidade de participar ainda. Aqui onde eu moro nao existe esse programa. Mas para pessoas que vivem em cidades como Munique, Düsseldorf, Hamburgo, Berlim, Colônia, Frankfurt, Dresden entre outras cidades fica a dica.


Aqui deixo alguns enderecos eletrônicos (infelizmente apenas em alemao) para as pessoas interessadas no programa:

http://www.tauschringadressen.de/ 
(para saber mais sobre como funciona e se registrar)

http://www.tauschring.de/adressen.php
(índice de enderecos do Tauschring)

http://www.tauschen-ohne-geld.de/tauschring-gr%C3%BCnden
(para criar um programa de troca de favores na regiao onde você mora)


Agora para os brasileiros que moram na Alemanha: vocês já participaram do Tauschring? Se já, como foi? Recomendariam?


E para os brasileiros que moram no Brasil: vocês já ouviram falar de algum programa como esse? existe algo parecido no Brasil?


Aguardo comentários!!





segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Fotos do fim de semana


Esse fim de semana acordei super disposta. Enfrentei o friozinho chato de Halle e resolvi  dar uma volta pela cidade e passear pelo parque florestal Dölauer-Heide, ou como os hallenses dizem, "Heide" somente. Fiz umas poucas fotos que gostaria de compartilhar com vocês, enquanto o texto nao fica pronto.

Vista de Petersberg, in Halle: o ponto mais alto do estado
de Saxonia-Anhalt possui mais de 250 metros


Céu de um domingo frio

Essa pedra é para lembrar uma perseguicao da polícia secreta e de inteligencia da DDR.
Essa perseguicao a um  soldado das forcas armadas francesa acabou em tragédia no ano de 1984. O militar francês sofreu um acidente de carro fugindo da STASI e bateu numa árvore. Ele morreu no local.



Aqui a mesma foto, de outro ângulo.

Assim fica a floresta, quando o inverno vem e as folhas das árvores caem.







O homem passeando a tarde com seu cao: uma imagem comum de se ver na Alemanha.

Porém o inverno nao dura para sempre: a primavera está comecando a renascer outra vez.


Algo interessante do Parque Florestal Heide: as pessoas que cometiam suicidio ou que morriam e nao eram identificadas, eram enterradas aqui, nesse local. Uma parte do parque é um cemitério de indigentes e suicidas.

Caminho.




Até os suecos chegaram até aqui!






Vista do centro da cidade






Aqui foi escrito exatamente como os hallenses dizem "eu te amo".
Com o sotaque da Saxonia-Anhalt, a famosa frase "Ich liebe dich" se transforma em "Isch liebä diesch"











sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Liberdade

A liberdade é uma palavra tao cheia de significados e ao mesmo tempo tao indefinível. Como explicar a liberdade? Como defini-la? O que eu entendo por liberdade seria o mesmo que você?
Onde comeca o direito de uma pessoa de ser livre? Onde acaba?

A definicao do dicionário eu nao sei. Eu tenho a minha própria. Construi a partir dos conceitos que tinha quando sai de casa e pus o pé no mundo, aos quinze anos de idade. Conforme os anos que se passaram, fui aperfeicoando e aprendendo um pouco mais sobre a liberdade e descobri que no momento ela é o bem mais precioso que possuo. Depois de tantas mudancas, de andar por várias regioes e estar segura de que minha caminhada ainda está apenas comecando, aprendi a trazer poucas coisas comigo e estar preparada para recomecar tudo. Tudo novo de novo, como diz Paulinho Moska.

Acredito que ser livre é amar a vida incondicionalmente. E se alegrar com as coisas pequenas e momentos que passam pelos nossos olhos sem que a gente se dê conta. Sair pela manha, caminhar pelas ruas, observar as pessoas, ama-las ou odia-las. Mas nunca ser indiferentes. E nunca deixar de agradecer por ter essa maravilhosa oportunidade de se mover, de sair do lugar,  de sentir o vento baguncar os teus cabelos e poder ir até onde as tuas pernas te levarem.

Ser livre significa dizer o que queremos quando queremos. E significa arcar com as consequências que surgem depois.
Ser livre é ter o direito de se sentir triste ou indisposto também. Ser capaz de deixar o mundo passar e ficar só observando, perdido em pensamentos.
Ser livre é poder rever seus conceitos e príncipios. É  ser inconstante ou pouco flexivel. E mudar de opiniao, mudar de crenca, de ideologia, de ídolos - se você sentir que isso é necessario.
Ser livre é se apaixonar quantas vezes for preciso, sem se importar com a opiniao dos outros. Porém ser deixar de lembrar que toda acao tem uma reacao e que você é responsável por tudo que pode acontecer.
Ser livre é ser você mesmo, com todas suas vontades, idéias, desejos, medos, acoes impensadas (que podem ser positivas ou negativas) e loucuras.

Descobri que ser livre as vezes dói. Mas é uma dor que faz um parte de todo um processo de aprendizagem que passamos na vida. O livre arbítrio nos proporciona vários caminhos a seguir. Você pode escolher  da maneira mais irracional ou racional. O caminho vai ter sempre surpresas com as quais você nao contava. E há pedras que nos fazem cair e se machucar. E maos que nos alcancam e nós poem de pé outra vez.

Acho que de todas as licoes que aprendi desde que
vim para Alemanha, essa foi a mais valiosa: Aprendi a ser livre. E aprendi que nessa jornada que está apenas comecando, tudo o que vem pela frente tem seu lado belo,  completo e o lado desajeitado e torto. E que mesmo assim, do jeito que está, do jeito que vêm, tudo é como deveria ser. Tudo é perfeito. Inclusive a dor.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Surpresas gastronômicas em Eichsfeld

Como o tópico sobre comida despertou bastante interesse dos leitores, resolvi contar um pouco mais sobre o choque cultural que levei logo que cheguei. Isso foi para mim muito marcante, especialmente quando se fala em comida. Eu sempre comi com prazer; sou uma apreciadora. E ao meu ver nao tenho muita frescura, como quase de tudo. E ao vir pra cá, estava disposta a experimentar tudo o que viesse pela frente. O que eu nao sabia é que eu nao estava comendo uma comida típica alema e sim comida típica de uma regiao que vive isolada no meio da Alemanha do Leste e que conserva suas tradicoes vindas desde a Idade Média.

 Viví em Eichsfeld, uma regiao no estado da Thuringia geograficamente localizada no centro do país. 
Os moradores de lá sao conhecidos por serem trabalhadores, porém pessoas bem fechadas, de poucas amizades. Tudo nessa regiao gira em torno da agricultura. Eichsfeld é famosa  por seus embutidos. A salsicha da regiao é conhecida em boa parte do leste da Alemanha, assim como a carne de porco.


 Eu vivia em um povoado de 400 habitantes; havia uma igreja católica, havia  uma pequena creche e pronto. E duas ruas asfaltadas. Era como se fosse no Brasil um distrito. Quem já foi ao interior, sabe do que eu to falando. Ressalto isso para que vocês vejam, que as pessoas de lá nao tinham muito com o quê se divertir: suas vidas era composta de trabalho, nada mais.


Praticamente todos os moradores desse povoado eram pessoas mais velhas. E tinham uma pedaco de terra, no qual eles cultivavam batatas, morangos, groselha, amora, verduras em geral e tempeiro verde. E tinham algumas galinhas, gansos, patos e o melhor de tudo: porco.
 Preparando o embutido de Eichsfeld
Fonte: http://www.ndr.de/fernsehen/sendungen/nordtour/eichsfeld141
Uma vez por ano havia a Matança: geralmente se fazia isso no mês de outubro ou novembro, quando comeca  a esfriar. E eu tive a oportunidade de participar de uma. Os homens saiam para matar o porco, e as mulheres preparavam a lavanderia para o trabalho que se seguia: tirar o sangue, separar as carnes, desossar, retirar as entranhas e separar a gordura. A primeira vez que tive que fazer isso, fiquei arrependida por ter tomado café da manha. Toda a vez via a faca cortando, o sangue escorrendo, a gordura pingando e as entranhas sendo retiradas, comecava a sentir ânsias. O cheiro era extremamente forte e empesteava toda a casa. O chao estava coberto por papelao, e mesmo assim, a gordura passava através das camadas de papel e ensebava o azulejo.


Depois disso tudo, eles comecavam a preparar as linguicas: cozinhavam o sangue com muito tempero para preparar o chourico (no Paraná a gente chamava o embutido feito de sangue de chourico) e a moer a carne e o torresmo cru com temperos para fazer o embutido típico da regiao. Enquanto isso, uma outra pessoa limpava as tripas do animal para depois rechea-las. Nojento.
Perdi nesse instante a vontade de provar o embutido típico da regiao.


Alguém ja provou isso? eu por sorte, nunca!
Fonte: 
http://img.webme.com/pic/p/paulas-futterkrippe/009.jpg
Depois dessa trabalheira terrivel, que no geral demorava dois a tres dias inteiros, havia o jantar da Matança:
O dono da casa preparava diversos de pratos com a carne de porco: sopas com o caldo da carne (uma sopa com arroz com uma camada de gordura de porco de três centimetros) e uma outra sopa, que no momento em que sentei-me à mesa, nao soube bem ao certo o que era. Em cima da mesa também havia algo bem típico da regiao: Gehacktes. Gehacktes é a carne de porco moída. Nao entendi o porquê da carne estar sobre a mesa crua, com rodelas de cebola. Aí me dei conta, quando o jantar comecou, de que lá ela é consumida crua. Sim, isso mesmo: lá na regiao de Eichsfeld, as pessoas passam carne moida de porco crua no pao e poem umas rodelas de cebola, para depois degustar. Me lembro de que todos se alegravam especialmente nessa parte: todo mundo se servia primeiro de Gehacktes, depois comiam as outras "delícias". A primeiro momento, levei um choque. Na minha cabeca passou um filme:  Eu nunca me esqueci das aulas de ciências da professora Florinda, na sexta série sobre cisticercose e do verme que entra na corrente sanguinea e se aloja na cabeca da gente.
Carne moida de porco crua com pao,
 uma espcialidade culinária
 Eu nao me atrevi a encarar carne de porco crua com pao. Recusei. Isso passa dos meus limites de tolerancia. No Brasil, a gente vê a carne de proco com algo sujo e que se nao for bem preparada e cozida, pode transmitir doencas.
 Expliquei isso para eles, enquanto eles, (na minha visao naquele momento, devido as dadas circunstancias, bárbaros), se deliciavam mastigando com prazer e diziam que a carne era controlada e que isso nao existia aqui. Eu, por via das dúvidas, achei melhor nao arriscar. 
Quem come carne crua, pra mim é bicho.


Havia dois paneloes de sopa sobre a mesa, uma era a sopa com a camada gigante de gordura e uma outra, mais escura. Decidi provar a sopa que parecia ser menos gordurosa. Pus uma concha no prato e já desisti de cara: era uma sopa feita com as entranhas: coracao, rins, e sei lá mais o quê. Já tinha perdido o apetite. Olhei ao redor e vi todos a mesa, que comiam sem pausa, estavam tao concentrados que sequer conversavam. Só se ouvia o mastigar dos convidados. E eu nao tinha achado nada para comer e estavam azul de fome.


Em cima da mesa tinha uma vasilha com uma salada, parecia ser um tipo de maionese. Porém com alguma verdura, envolta em  iogurte natural, molho branco, sei lá o quê. Resolvi provar. Na primeira garfada que dei, senti um gosto super estranho. Perguntei a pessoa que estava ao meu lado o que era: ele me disse que era salada de alface com gomos de tangerina e iogurte. Temperada com salsinha, cebolinha e muito acúcar. Isso mesmo, acúcar. Aí eu desisti de vez.
Busquei com os olhos se havia algo na mesa que pudesse comer e que nao fosse preparado. Achei pao e pepino em conserva. Fora isso, nao me arrisquei em comer nada mais. Tava farta de surpresas desagradáveis já.


E foi assim que num jantar com mais de doze tipos de pratos diferentes, eu fui pra casa com fome.



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Ah, se eu pudesse voltar...

Acho que tem dias que nao sao fáceis para ninguém. Especialmente para os brasileiros que vivem no exterior. Eu moro aqui há quatro anos; em agosto serao cinco. E reclamo de tudo e de todos o tempo todo. É normal para uma pessoa como eu sentir falta de casa. Interessante é que conheco muitos brasileiros que adoram a Alemanha e nao pensam em voltar a viver no Brasil nunca mais. E essas pessoas, por mais felizes e satisfeitas que se sintam com a escolha que fizeram, sempre têm um dia em que bate aquela saudade da terrinha. Isso me surpreende e me faz pensar. Imagino que essas pessoas as vezes se deparam com lembrancas da infância, da comida que comiam, da cidade onde viveram antes de vir pra cá...e tudo isso se transforma em uma dorzinha aguda, um tipo de nostalgia. Em alemao, existe uma palavra extra para denominar isso: Heimweh
Heimweh significa algo como "saudade da terra natal". Heim, lar, weh, dor.
Em português, tudo vira uma coisa só: saudade.


Todo estrangeiro que vive fora da sua terra conhece esse sentimento. Nao só. Pessoas que nasceram em um determinado estado e se mudaram para outro também sabem do que eu estou falando. Os nortistas e nordestinos que foram para o sul tentar a vida nas décadas de 50, 60, 70 e 80, com certeza sabem. Meus avós sao/eram cearenses. Foram morar nas terras frias do sul do Brasil na década de 60. Por serem muito pobres e terem quatro filhos, nunca tiveram a oportunidade de ir à Fortaleza para rever suas familias quando eram jovens. Minha avó morreu há dois anos sem realizar esse sonho: sonho de voltar a terra natal, onde o sol e o calor é aconchegante, onde as praias têm suas areias tao branquinhas e as pessoas sao simples e felizes. Assim que ela morreu, meu avô comprou uma passagem e estava decidido a nunca mais voltar ao sul. Pois estando lá, ele descobriu que se passaram quase 50 anos da sua vida. E que ele nao se acostumava mais ao calor, a praia. Muitos de seus amigos daquela época tinham falecido ou mudado. Fortaleza já nao era a mesma. E ele se deu conta, de que a terra dele agora era o sul, definitivamente. Pegou um aviao e voltou pro frio do Paraná.


Eu tenho medo de que isso aconteca comigo. Vivo há apenas quatro anos aqui, mas sei que terei um longo caminho pela frente até voltar pra casa. Vou ter que ficar aqui mais tempo do que eu imaginava. Dá um certo temor de ficar aqui mais tempo que devia e quando voltar, ter que me adaptar outra vez.  Recomecar tudo do zero. E descobrir que a terrinha mudou tanto que eu nao reconheco nada mais.


Essa música que vou postar é a minha cancao de saudades do Brasil. A letra dela, fala de uma pessoa que está sempre viajando e mora fora. E que sente saudades de alguém. Eu, dedico essa cancao a todos os meus amigos e as pessoas que amo e admiro. Dedico àqueles que por algum motivo eu nao possa estar perto.


Thiago Pethit: Mapa Mundi:  
http://www.youtube.com/watch?v=pXBIWw185oY


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Intolerancia alimentar

Esse texto é  a parte "dois" do texto anterior. Apenas com outro título. Eu coloquei assim, por que ainda tenho mais coisas pra falar sobre o assunto. 
Emendo um artigo no outro. E para quem leu o texto anterior vai ficar fácil de seguir o raciocínio. Para quem nao leu, convido a ler para nao se perder.


Falando de estereótipos, nao posso deixar de falar que certas pessoas, dependendo do grau de instrucao e do interesse em saber mais, sao menos propícias a formar opinioes absurdas sobre diferentes culturas e modos de vida. E o contrario acontece com os outros: se você é mais ignorante, você vai se deixar levar mais rápido pelo preconceito. Simples assim. Pessoas preconceituosas sao ignorantes. E as pessoas ignorantes recebem de mim apenas a minha pena e algumas vezes -  dependendo da barbaridade que foi dita ou cometida - meu desprezo. Esse desprezo procuro disfarcar bem, para nao ser intolerante. Mas em alguns momentos nao dá pra disfarcar e aí eu acabo soltando um comentario agudo e ácido, que faz com que certas pessoas passem a me detestar. Acontece.



Foto feita nas minhas últimas férias no Brasil
Vendo essa foto me deu até fome.
 Acho que ando precisando de outras férias.
Eu fui casada com um alemao por três anos. E se nao bastasse isso, morava junto com os meus sogros. Eles eram pessoas provenientes de uma educacao rígida de uma geracao marcada pela ideologia socialista da Alemanha Oriental. Nao sei se vocês sabem, mas na Alemanha Oriental, trabalhar era um direito e um dever de todo cidadao. Se voce fosse ser humano, tinha que trabalhar. Atualmente muitos alemaes que viveram naquele tempo reclamam das taxas de desemprego. Compreensível quando você descobre que na DDR, se voce nao fosse trabalhar, a policia ia na sua casa e te levava a forca pro trabalho. Entao por isso que para os alemaes do leste um trabalho é algo assim, natural. É como comer, beber e dormir. Faz parte das necessidades básicas de uma pessoa.


Com meus ex-sogros o cenário nao era diferente: eu estava alí, morava na casa deles e tinha que levantar cedo e trabalhar. Para eles, era inadmissivel que eu tivesse interesse em ir a uma universidade e estudar (para depois poder trabalhar). Muitas vezes ouvi meu ex-sogro dizer que eu devia me candidatar a uma vaga num supermercado e arrumar um trabalho de caixa ou repositora de estoque. Isso é trabalho. Isso faz sentido. Estudar é perda de tempo.


Bom, minha ex-sogra tinha outras aspiracoes para mim: ela estava disposta a me transformar em uma perfeita dona de casa alema. Como eles eram aposentados e na faixa dos 70 anos (e pessoas nessa idade nao costumam dormir muito), ela reclamava os meus fins de semana para ensinar-me as coisas do lar. Eu tinha que me levantar as oito horas da manha nos sábados e domingos (geralmente eu queria dormir até o meio-dia, pois tinha levantado a semana inteira às cinco e meu único desejo era poder descansar), ir a cozinha da casa dela para que ela me ensinasse a cozinhar, assar e preparar comidas que seu filho gostava (!). Eu tinha sempre a impressao que ela estava crente de que eu vinha de alguma floresta selvagem, vivia pelada, dormia em árvores e que me alimentava dos frutos das àrvores. Só pode. Outra explicacao coerente nao encontrei até hoje.


Como eu nunca fui fa de comida alema, nunca me interessei de verdade pelas "aulas" que ela me dava. Adoro cozinhar, mas pouco do que faco é alemao. Prefiro comida italiana, chinesa, grega, tailandesa, espanhola e portuguesa. E claro, em primeiro lugar, comida brasileira.
Eu fazia as vontades dela para nao desapontá-la. Ela era velhinha, coitada. Queria se sentir útil. Eu, as vezes me fazia de besta, perguntando algo, para que ela viesse com seus olhinhos azuis cheios de satisfacao me explicar que uma pitada de sal faz parte da massa de biscoitos.
Comendo um steak de carne de porco no mercado natalino de Erfurt.
 Vejam a expressao indescritível de contentamento no meu rosto.
E sempre que ela me ensinava a cozinhar, eu sofria um bombardeio de milhoes de perguntas sobre o Brasil: ela queria saber se lá tinha morangos, se havia macas, se havia farinha de trigo, se as pessoas cozinhavam usando um fogao. Eu respondia com paciência e explicava que no Brasil também se encontram coisas que existem aqui na Alemanha. Algumas coisas eram mais simples de achar, outras nao. 
Ela parecia entender. Porém, dois minutos depois, ela voltava ao questionamento: "Tem computador lá?", "e cachorro, tem?", "vocês ficaram sabendo da queda das Torres Gêmeas lá?"



Um dia, eu me levantei de saco cheio. Tava de mau humor, morrendo de sono e sem vontade de aprender a fazer chucrutes com salsichao. Mas como tinha combinado com ela, fui a cozinha. Logo que ela terminou de dar as instrucoes de preparo da comida (ela sempre se sentia nessa parte como uma "Ana Maria Braga" moderando um programa culinário) e comecou o questionamento, eu enlouqueci. Respondi no tom mais sarcástico e azedo que uma pessoa que levanta já de mau humor pode responder:
Comida de verdade: Arroz, feijao, farofa e frango
com polenta e quiabo.
 COMIDA PARA MIM É ISSO.
 
- Escute bem, minha senhora, o Brasil é um país em desenvolvimento. Isso significa que nós temos telefone, internet, carros, e para você ter uma ideia, até avioes. Exportamos nossos produtos para o mundo inteiro e consumimos quase tudo o que vocês aqui na Alemanha consomem. Compramos geladeiras, televisoes, celulares etc. Nao vivemos em árvores, em florestas e muito menos andamos pelas ruas vestindo um tapa-sexo. E se você quer saber, a comida da minha terra é dez vezes melhor que a comidinha que você tenta me ensinar a fazer. Peco licenca, vou voltar pra minha cama. Se a senhora quiser, mais tarde eu venho aqui e te mostro o que é comida de verdade. Agora vou dormir.


Nao preciso nem descrever a cara azeda que ela fez nesse momento. Contrariei todas as regras de boa educacao; nao quis saber das suas aulas de culinária, dei uma resposta atravessada e fui deitar-me outra vez, às 8:30 da manha. Cometi um crime cultural horrendo.
 A partir desse dia ela nunca mais fui forcada a sair da cama mais cedo nos fins de semana para aprender as artes da culinária germânica.
E eu mais uma vez, fui vítima da minha própria intolerancia contra os ignorantes, que ainda nao se deram conta de que o Brasil há muito tempo deixou de ser uma colônia dos países europeus do século XV. 
Nunca mais a velha se colocou a disposicao para me ensinar a fazer mais nada. Gracas a Deus.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

História de uma brasileira búlgara

O texto de hoje é sobre a imagem que os alemaes têm da gente. Assim como nós fazemos uma imagem deles, a partir de experiencias ou informacoes que nos chegam, eles também fazem isso. É um processo que todo ser humano realiza quando se depara com algo "desconhecido": primeiro ele procura no seu cérebro algum tipo de ligacao com o que ele já ouviu falar a respeito e a partir das experiências que ele já teve. O nosso cérebro é extremamente otimizado. Ele formula uma tese, idéia ou um principio a partir de uma experiência e usa esse "molde" para as próximas situacoes que vêm pela frente. Isso ajuda a gente a nao ter que perder tempo, aprendendo tudo de novo e de novo. O nosso cérebro gosta de economizar tempo e trabalho.
 Se nao fosse assim, o nosso cerébro teria que passar por um enorme processo de identificao cada vez que a gente conhecesse uma pessoa nova. Teria que analisar os pontos e formar um conceito a partir das experiencias que voce passa com cada individuo para, a partir daí, voce ter uma nova imagem, uma nova tese, uma nova ideía. Extremamente trabalhoso. 


Mas esse processo que pro nosso cerébro é rotineiro, traz para nós algumas desvantagens. 


Por isso a nossa tendência é botar as pessoas em gavetas e etiqueta-las todas. Um exemplo: pra gente, alemao gosta de chucrute, anda com calcas de suspensório, canta a tirolesa tocando acordeao e bebe 5 litros de cerveja por dia. E sao brancos.
Bom, entao vou dizer como eles nos vêem a partir do meu ponto de vista. Sempre quando vou a algum lugar desconhecido e tenho que me apresentar ou falar algo, já aguardo a pergunta típica. Alguns tentam ser mais polidos e perguntam com todo o cuidado do mundo, como se ser um estrangeiro fosse uma coisa horrível:
"olha, me desculpe, nao quero ofender, a meu ver voce fala alemao muito bem, acho incrível como você domina o nosso idioma. Porém eu tive a ligeira sensacao de escutar um sotaque que demonstra que você nao vem dessa regiao. Você me faria esse obséquio em dizer em que lugar voce nasceu?". Outros já sao mais abertos e perguntam de cara: "Você é de onde?" Outras pessoas tentam adivinhar:
 " Olha, pelo teu sotaque, eu diria que voce é búlgara. Acertei?"
Eu penso com esse meu cérebro otimizado que Deus me deu: "PQP, búlgara? meu sotaque deve ser bem esquisito mesmo."


Mas aí, dizer que venho do Brasil abre um leque de discussoes e comentários: "você é muito branquinha para ser brasileira." Isso quer dizer, em outras palavras que brasileiros só podem ser negros ou mulatos. Uma pessoa branca nao combina com o estereotipo que os caras possuem da gente. Ou entao:
 - Nossa, entao você vai poder me ajudar, estou querendo aprender a dancar. E você deve dancar maravilhosamente bem. Está no seu sangue.


Eu acho a atividade da danca incrível. Mas dancar, nem em discoteca, com música eletrônica. Se um dia você me ver dancando, pode estar certa de uma coisa: ou eu estou para lá de Bagdá (acontece depois de tomar uns tres ou quatro copinhos de Jagermeister) ou tendo um ataque epilético na pista. Ataque epilético é fácil de dizer por que se parece bem com que eu estou fazendo, quando estou dancando.


Alguns perguntam do futebol e dos jogadores da selecao. Sinto muito mas nao posso falar muito a respeito. Meu conhecimento na área é limitadissimo. 
Aí alguém que está perto escuta a nossa conversa e entra no assunto: 
 - Entao, eu tenho um cunhado que esteve no Brasil, de férias. Ele disse que o Cristo Redentor do Rio de Janeiro e a Baia de Guanabara é incrível. E disse que o carnaval lá é algo inesquecivel. 
Dá pra ver a cara dessa pessoa, esperando um comentario decisivo meu, para que ela comece a juntar dinheiro e organizar umas férias no Brasil. Bom, nesse instante o que eu tenho a fazer é balancar a cabeca tipo "é mesmo?". É  sou do sul e morei em Sao Paulo. Mais que isso do Brasil, eu nao conheco. Nunca fui ao Rio de Janeiro, infelizmente. E nunca participei do carnaval. Acho carnaval uma festa sem graca e de mau gosto. Minha opiniao. 
Aí, ao falar isso, vejo os olhares confusos dos meus interlocutores: uma brasileira que nao gosta de carnaval? Unfassbar! (inacreditável)
Depois de várias tentativas frustradas de puxar conversa sobre o que eles acreditam ser o Brasil e a realidade, a gente se despede ou vai falar de outras coisas: da crise economica, do preco do combustivel, da renuncia do atual presidente alemao.


Ou seja, em outras palavras, nao me encaixo na concepcao de latinamericana, brasileira, vinda-de-um-país-tropical-abencoado-por-Deus-e-bonito-por-natureza que os germânicos possuem. Isso nao me deixa triste, apenas me faz ver como algumas pessoas sao pouco informadas. Pra ser sincera eu entendo bem eles. Sou uma pessoa atípica. Eu diria que sou uma brasileira sem ser. Na cabeca deles, seria mais coerente que eu viesse do país que eles imaginam ao ouvir o meu sotaque. É, deve ser. Acho que de alguma maneira sou uma búlgara mesmo.

Essa é a visao de mundo dos alemaes do continente europeu: a Europa para eles, é isso.
(Imagem que achei no Facebook. Nao pus a fonte por que nao sei de onde vem. Mas achei a ilustracao bem oportuna.)


sábado, 18 de fevereiro de 2012

Bom dia, para quem nao comemora o Carnaval e acha tudo isso uma palhacada! 


Esse fim de semana vou receber visita, por isso vai ficar meio complicado postar o meu novo texto. Mas to na ativa, escrevendo muito e com a cabeca cheia de novas ideias para novos textos. Logo que eu tiver um tempinho, volto pra contar-lhes mais. 


 Um bom fim de semana sem carnaval!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Tümmerfrauen - elas ainda existem!!

Foto da entrada do Museu de História,
em Peneemünde 




Tempos atuais estao dificeis. Mas eles sao apenas reflexo dos fatos passados. Os germânicos já passaram por tudo o que tinha que passar: guerras, protestos, reconstrucao. Eles ja estao calejados. Por forca da situacao, tiveram que se tornar experts no assunto. E sao craques mesmo: transformar um país totalmente destruido de duas guerras em uma potência mundial nao é para os fracos. Todo o meu respeito para eles nesse aspecto.


Para ficar claro a diferenca cultural e de mentalidade entre os europeus da Europa Central e os latinos:


Paraguai passou por uma guerra terrivel no periodo de 1864 a 1870. Foi o maior conflito armado já visto na América do Sul naquela época. Nesse caso, foi um pouco diferente, já que o Paraguai foi "dominado" pela Tríplice Alianca, formada pelo Brasil, Argentina e Uruguai. E fomos pra cima dos pobres coitados.
Acredita-se que nessa guerra o Paraguai perdeu mais de 300 mil soldados e civis. Sua populacao ficou reduzida naquela época a mulheres, algumas criancas e muitos idosos. E por causa dessa guerra, o Paraguai - que era um dos países mais avancados da época - se tornou o mais atrasado da América Latina. Nunca mais se recompôs.




Museu em Peenemünde
Agora dê uma olhada na Alemanha: Participou ativamente das guerras mais sangrentas, violentas e injustas de que se ouviram falar. Ficou totalmente destruida em 1945. Os filhos da nacao que estavam espalhados pelo mundo, foram torturados e mortos de maneira brutal em campos de concentracao (dos Aliados). A sua populacao ficou ao fim de tudo isso reduzido a mulheres, criancas e idosos.  Como o Paraguai, para se ter uma idéia. 
A única diferenca entre os dois países, é que a Alemanha comecou a guerra e tentou dominar o mundo. E perdeu feio. O Paraguai só reagiu para tentar se defender. 


O que aconteceu depois da guerra é pouco interessante para os livros de historia. E para mim é aí que a coisa comeca a ficar interessante. Eu sempre me perguntei como os sobreviventes da guerra, no país destrocado, comecaram a reconstruir tudo. E o que deu errado que um país como o Paraguai nao conseguiu se reerguer e a Alemanha sim. 





Mulheres do entulhos reconstuindo um edificio.
Fonte: Bundesarchiv Bild 183-H29659, Berlin, Jägerstraße, Trümmerfrauen
Vi uma vez um documentário sobre as mulheres sobreviventes da guerra (em alemao, Trümmerfrauen - mulheres dos entulhos, traducao literal). Foi mais ou menos assim: elas olharam para um lado, olharam para o outro. Entulhos. Entao, se juntaram, comecaram a tirar os entulhos, limpar organizar. Aí viram que precisava reconstruir. E comecaram, perante condicoes climáticas terriveis (inverno, frio, neve), a reconstruir casas que foram destruidas. Mulheres que eram frageis, que nem sequer a guerra podiam ir. Mulheres com filhos pequenos que nunca tiveram a ajuda de maridos já que estes morreram em combate.
Foram elas que salvaram o país. Esse é um fato que nao aparece nos livros de história e explica muita coisa.


 Talvez nao seja uma mera coincidencia o fato da chanceller do país ser do sexo feminino.  
Nesses tempos de crise, a Alemanha é o único país que está se saindo bem e nao foi afetado tao forte como os nossos países vizinhos. Alemanha nao se deixou abalar pelas especulacoes do mercado internacional e continuou trabalhando duro como sempre. Algumas medidas foram tomadas para aumentar o poder de bens de consumo da classe média, já que em tempos de crise as exportacoes de bens de consumo tendem a diminuir. E entao, voilà. Os alemaes nao sairam totalmente ilesos, mas se recuperaram numa rapidez impressionante. A Grécia nao aguentou, a Irlanda tá mal das pernas assim como Portugal. Na Espanha, por exemplo, a coisa tá tao feia que mais de 40% dos jovens saidos da Universidade estao desempregados. Os que têm emprego, só possuem esse privilégio por que se submeteram a trabalhos menos qualificados: Vi muitos espanhois na faixa dos 30 anos, com mestrado no exterior, trabalhando de garcom ou vendedor em lojas de roupas. 


 A Franca, que nao é boba nem nada, deu um jeitinho de aumentar sua credibilidade internacional às custas da Alemanha. A coalisao "Merkozy" está sempre aparecendo na imprensa de bracinhos dados, para alegria do Sarkozy, o primeiro ministro francês. Um homem se rende a uma mulher na luta dos sexos.
Acho que aí está a parte que nos toca: seguir o exemplo. O Brasil já elegeu uma mulher, isso é bom. Mas estamos bem longe de deixarmos de ser uma nacao acomodada e extremamente machista. E para piorar, ainda levamos tudo muito pouco a sério. Nao vamos a rua, nao nos mexemos, nao participamos da vida política do nosso país. Nunca nos mobilizamos. O calor nao deixa, o transito é demais, o dinheiro é pouco, Ah!! o carnavaaaaaaaaaaaaal chegou, esquece. O país tem que parar. 


Muitas desculpas. Muita falta de compromisso. E pouca, pouquissima acao.


Eu fico aqui, cheia de esperancas de que o Paraguai se estabilize como país e corra atras do tempo perdido.  Afinal, nunca é tarde para se recomecar. Nunca.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Hoje é dia 14 de fevereiro. Dia de San Valentim. E dia dos namorados, para os casais, as floriculturas e as perfumarias.


Logo que cheguei aqui, nao fazia ideia de que o dia dos namorados fosse comemorado em fevereiro. Afinal, a gente no Brasil tem o dia 12 de junho. E para mim, me parecia mais lógico que o dia dos namorados fosse em junho, pois junho aqui é primavera e primavera tem tudo a ver com os apaixonados.
Mas nao. Aqui na Europa e em boa parte do continente americano  (salvo o Brasil) comemora-se o dia dos enamorados no dia 14 de fevereiro. Quem assistia o Chaves se lembra disso: há um episódio em que eles comemoram o "Dia de San Valentim" na vila. Ou seja, no  México também é assim.


Eu nunca dei nada de presente. Nao por que nunca estive num relacionamento sério. Mas por que odeio essas datas feitas pelos publicitários para induzirem o aumento de compras em certos setores com intencao de alavancar a economia de tempos em tempos. Afinal de contas, é assim que se valoriza tanto o dia das maes, dia dos pais, dia dos namorados entre outras datas. Inclusive o natal foi inescrupulosamente utilizado pelo capitalismo para defender os interesses dos lojistas e fabricantes de bens de consumo. Perguntar a uma crianca aqui na Alemanha o que é o natal, ela vai te responder com uma palavrinha chave: ganhar presente. Do Papai Noel, claro. Fora isso, nao há quase crianca alguma que saiba alguma coisa sobre a bíblia e Jesus Cristo. Ou amor ao próximo. Nao sou religiosa, mas se uma festividade é tao importante na minha vida, eu deveria me perguntar o porquê, nao é?




Mas o mais maluco é ver como funcionam os relacionamentos aqui na Germânia. Aqui, as pessoas têm a fama de serem frias. E sao mesmo. Nao é preconceito. É uma afirmacao. 
Vi muitos casais 100% alemaes e tive um relacionamento com um. Nada fácil para uma brasileira. Esse povo é muito pouco convencional. 


Conheci um casal que morava na mesma casa que a ex-esposa do marido. Os tres, juntos, numa casa só. E viviam bem, se ajudavam e entre as mulheres havia até uma troca de favores, receitas, dicas de casa. Nunca vi algo parecido no Brasil. Lá, a gente é obrigada a ser inimiga mortal de ex. E mostrar pra todo mundo, o quao ridicula ela é e que você inclusive aprendeu a costurar só para fazer um bonequinho vudu dela e espetar em horas variadas, em regioes variadas. 
Outro casal que conheci está há oito anos morando junto. Pensam em casar. Ele nunca aparece perto dela. Quando estao juntos, ou ela anda na frente, sozinha ou atrás dele. Maos dadas, nem pensar. Nenhum tipo de demonstracao de afeto em público. Ela é pedagoga e estuda muito. Ele, mecânico de carros e seu único hobby é assistir "Married...with children", uma serie antiga americana, extremamente sem graca. Ele já admitiu que a traiu muitas vezes. Ela chorou sozinha, encostada no aquecedor comendo chocolate. Depois ergueu a cabeca, deu o troco com a mesma moeda e voltou pra casa deles, com uma sensacao de missao cumprida. E tudo ficou por isso mesmo. 
Como vocês podem ver, anda tudo maravilhoso.


Alemao nao gosta de muito contato físico como nós, brazucas. Nao por que achem desagradável o contato físico. Apenas por que nao sabem muito bem o que fazer e como reagir quando recebem um abraco ou um beijo no rosto. E isso reflete nas relacoes "a dois". Casais alemaes vivem juntos por anos e anos a fio, mas se sao convidados a uma festa, sentam-se em lugares diferentes, conversam com outras pessoas e nao dao a mínima para o(a) parceiro(a). E nao gostam muito de sair juntos. Vivem na mesma casa, mas parecem nao querer compartilhar dos mesmos interesses. 


Muitos deles, como o caso desse casal que descrevi por último, estao apenas juntos por medo de arriscar algo novo ou de ficar sozinho. Aqui na Alemanha é difícil conhecer pessoas. Cada um vive numa redoma de vidro, protegido, fechado dentro de casa, com medo do mundo e das coisas novas. 
Sao pessoas fechadas no comeco e que precisam de um empurraozinho para arriscar coisas novas e tentar algo diferente. Isso nao é esta apenas relacionado com às relacoes interpessoais, mas está presente vários aspectos da vida. Por isso, a meu ver, eles sao pessoas tao solitárias. E algumas delas, extremamente amargas. 


Por isso, o dia de San Valentim é tao importante para eles: é o dia de mostrar afeto. Eles demonstram afeto umas duas ou três vezes por ano: no aniversário do parceiro, dia do aniversario do relacionamento e dia dos namorados. O resto do ano está aí para trabalhar, ver tevê e reclamar de coisas que acontecem em suas vidas. Afinal nao há nada mais típico alemao que reclamar.


Bom, eu decidi deixar esse dia de San Valentim passar em branco. Por duas razoes: a primeira é que ando tentando me integrar cada dia mais à cultura alema. E ando tentando me adaptar ao máximo. Portanto eu nao tenho o porquê de demonstrar o meu afeto hoje. Demonstrei na semana passada já. Agora só terei que demonstrar de novo no dia em que meu relacionamento completar um ano. E depois, no aniversário do meu parceiro. 
Isso eu chamo de integracao cultural. Adaptar-se e incorporar costumes!


Segunda razao: eu sou estudante. Ando sem meios de apoiar ainda mais o mercado de bens de consumo. 
Es tut mir Leid. 


Comemorarei se der, mais pra frente. No dia 12 de junho!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Nem sempre o banheiro mais moderno é o melhor

Por mais que as diferencas culturais muitas vezes sejam enormes, há momentos em que me deparo com coisas que existem em qualquer lugar. Seja num país desenvolvido europeu ou em país em desenvolvimento da América Latina.
Uma dessas coisas sao os banheiros das estacoes de trem e rodoviárias. Em um aspecto especial, os banheiros sao bem parecidos: fétidos. E fétido na minha concepcao significa provavelmente sujo. Eu tive a agradável experiência com um desses hoje de manha.

No Brasil, eu viajava todos anos do Paraná para passar as férias em Sao Paulo, na casa do meu pai. E como a viagem era longa (doze horas), o motorista era obrigado a fazer 3 paradas de 15/20 minutos para que os passageiros pudessem se abastecer com comida e guloseimas. Ou para "desabastecer". Usei essa palavra para nao dizer "tirar a água do joelho" - acho essa uma expressao pouco adequada para nós, mulheres. A gente nao tira água. E muito menos do joelho. Anatomicamente falando, impossível.  
Como os ônibus de viagem longa sao providos de banheiro (se é que se pode chamar aquilo de banheiro) algumas pessoas usam a pausa apenas para abastecer mesmo. Mas eu sempre fiquei meio cismada com banheiro de onibus, por várias razoes. Uma delas, é que se você precisa usa-lo, você tem que atravessar o corredor, desviando de cabecas e pés de pessoas adormecidas e ir tomando cuidado para nao cair no colo de alguém quando o motorista entra numa curva fechada. E caso você consiga alcancar a cabine (e abri-la, que nao é fácil), você ainda corre o risco de acordar todo mundo com a luz irradiante que saí do banheiro. E com o cheiro da privada, que empesteia o veículo inteiro. 
Por amor ao sono do próximo, eu ficava me segurando e só ia ao banheiro na rodoviaria. E o cenário era sempre o mesmo: o banheiro tinha cara de ter sido usado milhoes de vezes por milhoes de pessoas e, na entrada, tinha sempre uma senhora sentada perto de uma mesa, sobre a mesa havia um pires com algumas moedas e alguma plaquinha com coisas escritas tipo: "obrigado pela contribuicao" ou "uma pequena ajuda faz a diferenca". 
Eu sempre fiz questao de pôr umas moedinhas. Nao por caridade ou peso na consciência. É que nas entrelinhas, ao invés de ler a mensagem eu lia algo como "ou você bota umas moedas ou vai ter que limpar com a mao. A escolha é sua". 

Hoje de manha, ao ir ao banheiro da estacao, tive um série de déjàvus. Com uma diferenca apenas: ao invés de ter uma tiazinha na entrada com um pratinho de moedas, havia uma máquina e uma catraca. E nao havia nenhuma mensagem num papel agradecendo a colaboracao e sim um manual de instrucoes. Pus as moedinhas e recebi em troca um pequeno comprovante de pagamento. Olhando com outros olhos, podiam chamar aquilo de "entrada" para o espetáculo. Me senti num show de rock de bandinha alternativa desconhecida no Sesc Pompéia. 
Passei pela catraca. Entrei na cabine. Fétida. Usei o banheiro, dei a descarga e fui lavar as maos. Nao tinha água. Nem sabonete liquido. Mas tinha papel para secar as maos.

Eu fiquei revoltada. Paguei o ingresso para um show completo e a banda fez um pocket show? Se fosse de graca, tudo bem. Cavalo dado nao se olha os dentes. Mas...eu paguei! E nao paguei meia entrada de estudante! Depois de mexer em todas as torneiras e constatar que realmente nao tinha água, tirei o ingresso de entrada do banheiro do bolso, para ver se havia algo sobre isso escrito. E olha o que li: 

                                                Promocao do dia: 




Vá a nossa lanchonete e ganhe 50 centavos de desconto em qualquer comida!
Promocao válida apenas para o portador do bilhete no dia 10 de fevereiro.

Legal! E como isso vai resolver meu problema? Dá pra lavar a mao na lanchonete? 

Me pergunto, caro leitor, COMO alguém teve a brilhante idéia de oferecer comida com o bilhete que você usa para entrar no banheiro? e um banheiro naquelas condicoes, que nem água na torneira nao tem? Será que sou só eu que acha isso estranho?


Nessa hora, senti falta da tiazinha do banheiro. Pra perguntar, se realmente nao era possível lavar as maos. Para reclamar. E pra perguntar o sentido de ir ao banheiro, pagar um absurdo, nao ter a chance de lavar as maos e ainda por cima ter o prazer de ir comer um pao com queijo na lanchonete da estacao.Com as maos sujas.
Ou, se nao desse pra perguntar pelo menos pegar metade do dinheiro de volta. Metade das moedinhas que estivessem no pires

Porque se for pensar bem, os funcionários da lanchonete também nao têm banheiro próprio. Eles usam o banheiro da estacao. E com essas maos infectas, prepararam o delicioso e inesquecivel lanche.

Depois dizem que nós brasileiros que somos subdesenvolvidos...
Havia na parede um aviso bem grande, para que ninguém passasse por despercebido.
Embaixo, traduzido para o inglês.
Que evoluidos somos!