quarta-feira, 28 de março de 2012

Nudez premeditada

Pois é! A primavera chegou! Aos poucos as flores comecam a aparecer e os brotos dos arbusto secos vao surgindo e vao lentamente enchendo as ruas de vida. Lentamente o verde vai dominando e os rastros do rigoroso inverno vao sendo encobertos pela essencia primaveril.

Com isso, os alemaes vao ficando loucos. As pessoas se sentem renovadas. Muito comum aqui é a limpeza de primavera: as pessoas reviram a casa de pernas pro ar, trocam moveis de lugar, limpam as 21 janelas de vidro de suas casas, lavam as cortinas, edredons, tapetes e o que tiver pela frente. Muitos comecam organizando armários, tirando roupas que já nao usam e jogando no lixo prospectos de desconto que estao guardados nas gavetas. Outros comecam a se preparar para o cultivo e a jardinagem. Primavera é tempo de flores e de plantar algumas verduras que vao ser colhidas no verao. E isso é extremamente visível quando as pessoas comecam a invadir as casas de contrucao (aqui se vendem flores e materiais de jardinagem nas casas de contrucao, conhecidas como "Baumarkt"). Carrinhos de compras ficam lotados de sacos de esterco e areia, potinhos de plantas e sementes de jacinto.
Tudo que é necessário para praticar a jardinagem e deixar o espírito de primavera entrar em sua vida!

Agora o mais legal é ver como as pessoas ficam realmente insandecidas quando o sol comeca a aparecer com frequencia. Pelo inverno aqui ser rigoroso e cinzento, todo mundo fica empolgado com a chegada do sol. As pessoas comecam a sair com as roupas mais leves, há gente passeando com as criancas, jovens andando de bicicletas por todas as partes e fazendo atividades ao ar livre. Muitos deles arriscam e saem de bermuda, apesar de ainda nao estar fazendo calor. As temperaturas todavia continuam baixas. Mas eles fazem isso pois o sol está a brilhar. Nessa época do ano você já se depara aqui com  pares espetaculares de pernas com bronzeado nórdico que variam do branco azulado para o branco bege. Imperdível.

Agora algo que mais me impressiona é a facilidade com que os alemaes têm em tirar a roupa. Num fim de semana ensolarado, em um gramado de um parque da cidade, nao é raro ver mulheres fazendo topless. Detalhe: temperatura externa está entre 12 e 14 graus Celsius. É o que a gente no Brasil chamaria de inverno.
Há uma represa perto de onde eu moro, onde as pessoas pagam uma entrada e vao para passar suas tardes de fins de semana com a familia. Indo pra lá, vc pode escolher em ficar vestido, mas preferencialmente o ambiente é nudista. E nao fiquem na ilusao de que indo pra lá, você vai ver corpos lindos e sarados. 99% dos que praticam nudismo sao pessoas a partir dos sessenta anos ou criancas. E senhoras extremamente gordas. Nao é lá uma visao muito agradável, diga-se de passagem.
Eu tomo banho de sol sim. Porém, vestida.
 Mas é cultural. Aqui no leste alemao as pessoas nao têm muito pudor. Me lembro de quando fui com meu ex-marido visitar meus pais e resolvemos sair. Ele disse que ia trocar de roupa e assim, sem mais nem menos abriu a mala, tirou uma bermuda de lá e comecou a tirar a roupa. De maneira natural. Eu e minha mae ficamos boquiabertas, nem tivemos tempo de reagir. E ele, depois de trocar de roupa, nos olhou, levantou e disse como se nada tivesse acontecido: vamos passear?

Agora a experiência que mais me deixou constragida passei logo que cheguei. Combinamos com amigos de ir a sauna. Bem, eu só conhecia a sauna no Brasil e nao sabia o que me esperava. Chegando lá, pus o biquini, tomei banho e pus o roupao. Ao entrar na parte da sauna, levei um choque: vi milhoes de pessoas andando de um lado pro outro, assim, completamente nuas! Eu quis entrar, nao conseguia. Tava paralisada. Os nossos amigos passaram na frente e já foram tirando o roupao. Nús. Eu fiquei roxa de vergonha. Meu ex-marido me perguntou qual era o meu problema. Eu olhei ao redor e disse: "voce nao está vendo? Tudo mundo tá pelado! sinto muito, nao dá. Nao tiro a roupa. Eu só entro de biquini." Ele olhou pra mim calmamente: "se você quiser pode entrar de biquini. Mas saiba que assim você vai chamar a atencao. Se quer ser igual, voce tira a roupa." Eu olhei pros amigos que estavam pelados, esperando pela gente. Olhei pros outros, que caminhavam tranquilamente, nus e felizes. Respirei fundo, contei até três e tirei o roupao e o biquini. O que passou pela minha cabeca foi apenas um velho ditado: "Tá na chuva é pra se molhar."

Depois disso, perdi o constrangimento de tirar a roupa na sauna. Foi um tremendo choque, mas tive que me acostumar. Na sauna, tudo é natural e ninguém olha pra ninguém. Ninguém se incomoda se você se depila estilo bigodinho de Hitler ou prefere deixar a mata selvagem dos anos 60. Ninguém verifica o tamanho e comprimento do seu bilau. As pessoas vao para sauna para suar e relaxar. Faz bem pra pele.

Agora uma coisa eu nao me disponho a fazer: topless no parque. Isso já é demais pra mim. Prefiro pensar que as temperaturas entre 12 e 14 graus ainda fazem parte do inverno, como no Brasil. O único que faco de  melhor é ficar observando essa gente e suas loucuras. De preferência, vestida.

terça-feira, 13 de março de 2012

Casa nova, cidade nova, vida nova

Foi por motivo de forca maior que fiquei sem escrever estes dias. Estava de mudanca de Halle para Nordhausen. Nao porém, como alguns pensam, por falta de assunto. Afinal sempre tem-se algo a dizer especialmente sobre alguma bizarrice germânica. O que me faltou foi tempo e a oportunidade de compartilhar com vocês, caros leitores.

Desde que cheguei a essas terras gélidas, me mudei umas trocentas e cinquenta vezes. As pessoas daqui, ao me conhecerem, sempre me perguntam onde eu morava antes. Eu, ao me deparar com a pergunta, retruco com outra pergunta:
    -Antes, quando? antes de vir para cá, ou desde os tempos mais primórdios da minha mísera existência?
Eis uma grande diferenca entre uma coisa e outra. Porque antes de vir para a cidade onde eu atualmente estou, Nordhausen, morei em Halle - na Saxônia-Anhalt - por seis meses. Fiz lá um estágio e me apaixonei pela diva cinzenta (assim é conhecida a cidade). Mas antes disso, morei em Eichsfeld, uma regiao minúscula no estado da Turingia e passei uma breve temporada de seis meses na regiao de Castilla, Espanha. E antes disso tudo, morei no Brasil em três estados diferentes e em diversas cidades. Foram tantas mudancas de casa que perdi a conta. Sou uma nômade desde que nasci.

Manha de outono, em uma ruazinha da "diva cinzenta"
Nao me queixo; muito pelo contrário, acredito que sou como sou, por ter tido vivências incríveis em diversos lugares. Estar sempre de um lado a outro, viajando, mudando, me fez mais independente e autônoma. Mexeu com minha visao de mundo, abriu minha cabeca, me fez aprender na marra. E me fez conhecer um bocado de gente incrível, com historias espetaculares. E lugares cheios de encantos, mistérios e curiosidades.
Sempre me lembro de lugares que passei e sempre caminho olhando pra frente. Desejo conhecer mais, aprender mais e vivenciar mais. E se der, rever os amigos e pessoas que conheci nas minhas caminhadas.
Meu pai me disse uma vez uma frase que me marcou muito. Ele disse que quando você viaja, você só se sente feliz e realizado quando está no caminho, antes de chegar a algum lugar. No caminho, você planeja, cria expectativas, está desejoso por rever as pessoas amadas. O reencontro é algo magnífico!
Porém, depois de alguns dias (ou quem sabe algumas horas?), você sente que algo está faltando. As coisas nao sao como eram antes. Ou sao da mesma maneira como eram antes. E isso, exatamente isso, que quando você estava longe te fez tanta falta, passa a te incomodar. E pouco a pouco, vai dando um comichao, uma inquietude, uma irritabilidade. As ruas, as casas, as pessoas, as árvores, as lojas, nada disso é tao familiar assim. Você se dá conta de que nada te pertence mais. Aí bate uma vontade de calcar as botinas e pôr o pé na estrada. Ou seja: estando longe, você que voltar. E voltando, você quer estar longe de novo. Vai entender.
Mas o ponto é que ele tinha a absoluta razao:

 Só se é feliz de verdade no caminho. Seja o de ida ou de volta.

Muitas pessoas me perguntam se eu vou ficar aqui pra sempre. E eu me pergunto se algum dia serei capaz de voltar. Nao sei a resposta. Estar mudando é divertido, é interessante. Mas nao creio que vou continuar sendo nômade aos 70 anos de idade. Porque viver viajando tem suas inconveniencias também. A bagagem que você tem que carregar é as vezes por demais pesada. Especialmente se você leva muitas coisas consigo. Entao, para facilitar, você vai se desfazendo de algumas coisas que sao suas, para carregar consigo só o essencial. Fazendo isso, você acaba jogando fora uma parte de si, da sua identidade, das suas conviccoes. Você nao muda só de ares: você muda automaticamente um bocadinho do seu jeito de ser. Você muda (geralmente sem querer) seu estilo de vida.

Eu estou numa nova casa e já me sinto diferente do que era há duas semanas atrás, quando ainda estava em Halle. Halle me faz falta, mas nao troco minha nova personalidade camaleonica atual por nada. Vivo aqui. Agora.

Chamei uns amigos e vou fazer uma festa de boas vindas aqui. Aproveitei e pedi uns presentinhos. Nao para mim, e sim para a nova morada. Ares novos, vida nova, coisas novas. E para nao perder um pouquinho da minha identidade, espalhei pelas paredes meus postais favoritos (coleciono postais dos lugares em que estive), meus quebra-cabecas, meus quadros e fotos das pessoas que amo.
A foto do meu pai está na parede do meu quarto. E sempre que a vejo, me lembro de suas palavras: "só se é feliz quando se está no caminho em direcao a algum lugar". Eu olho-a e penso comigo: "Estou no caminho, meu pai. Nunca sai dele. Estou no caminho da descoberta de mim mesma."


sexta-feira, 2 de março de 2012

Todo dia é dia de compras

Para os que estao vindo para Alemanha, vou contar como algumas coisas funcionam aqui. Ir ao supermercado significa encontrar-se com pessoas idosas, que têm todo o tempo do mundo para fazer suas compras e só vao ao supermercado e entram nas filas quando percebem que alguém está atrasado, cheio de compromissos e precisa comprar pao antes de ir ao trabalho. Ou podem ser vistas a noite, quando falta meia hora para o mercado fechar, quando os atendentes já estao exaustos de terem que desejar "Tenha um bom dia" desde as 11 da manha e nao estao com muito bom-humor. E você, deu o duro o dia inteiro e só deu uma passada alí para comprar o essencial para nao passar mais fome. O dia foi tao corrido que você até se esqueceu de comer, agora tá com uma fome tao grande que comeria um porco inteiro. Cru.

Nada contra os idosos, afinal um dia serei uma. Agora eu adoraria saber o por quê deles ficarem horas em frente a uma prateleira, sem se decidir o que levar e tampouco dar lugar paras os outros que querem pegar algum produto. E se você pedir licenca para eles nao vai resolver o seu problema. Eles te dizem em 99% dos casos algum desaforo. Sem mentira, os idosos alemaes podem ser algumas vezes muito mau educados. E a culpa disso, na opiniao deles é "desses jovens nao respeitam os mais velhos". Eles têm sempre a razao.
Quem é que que nao levanta as seis da manha para conferir
 uma promocao de pepinos? Irresistível!
Eu me lembro de quando tinha aulas pela manha e passava em frente ao supermercado Edeka a caminho da faculdade. Era sempre antes das oito da manha e o supermercado ainda estava fechado. E todos os dias da semana, quando passava alí, via uma fila enorme de aposentados na porta, esperando o mercado abrir. E se eu voltasse da universidade pela noite e tivesse a brilhante idéia de entrar para comprar qualquer coisa, ia encontrar os mesmos velhinhos que estavam na fila de manha, meia hora antes do mercado fechar.
Alguém me explica o por quê? Será medo de perder alguma coisa? seria alguma doenca degenerativa que os impede de comprar o que precisam uma ou duas vezes por semana e fazem com que eles tenham que ir três vezes ao dia ao mercado? Ou seria o medo de perder as ofertas que os fazem levantar as seis da manha, tomar café e ir pra fila, garantir seus lugares? 


Nao sei quanto a vocês, mas esse olhar me enche de medo.
Mais o que me incomoda mesmo, é quando chega a hora de você passar no caixa e eles estao lá com o carrinho cheio enquanto você tem apenas uma garrafa de água e uma barra de cereais pede para passar na frente. Você tem poucas coisas e está com um pouco de pressa. Experimente fazer isso. Eles arregalam os olhos cheios de raiva (igual ao olhar daquele assassino que matou a própria mae, o "Morre Diabo") e se recusam. Você é novo, tem todo o tempo do mundo. Eles sao aposentados, estao cheio de coisas pra fazer, agenda lotada de compromissos e nao podem te deixar passar na frente.


Só que eles nao contam com a lei da acao e reacao. Eles te sacanearam no mercado todo: ocuparam espaco para nao permitir que você alcance o produto, foram devagar de propósito na fila do acougue e do pao só para te atrasar mais e "esqueceram" o carrinho de compras atravessado no meio do corredor, só pra voce ter que dar uma volta gigante para pegar alguma coisa.
Aí vem a hora sua vinganca. E o melhor de tudo:  você nao precisa fazer absolutamente nada. Nao tem que mover um dedo.  As coisas tomam o seu rumo natural e o universo se vinga por você!!
Aqui na Alemanha, as pessoas mais rápidas desse mundo sao as atendentes de caixa dos supermercados. Elas te dizem bom dia e comecam a passar os produtos numa velocidade parecida com a velocidade da luz. Mal dá pra ver as maos delas. E é nessas que você pode imaginar o espetáculo: a senhora idosa que fez compras para o resto do mês  - que para você seria a compra do resto da sua vida, quase -, tentando pôr os produtos de volta no carrinho, (sozinha, já que aqui na Alemanha nao existe empacotador) e a atendente jogando os produtos de lado, amontoando tudo numa pilha velozmente. As latas de creme de leite comecam a cair no chao, junto com as embalagens de chá. E por um triz a garrafa de licor de ovos nao se espatifa toda. 


Sem se afetar, a atendente diz o valor da compras, com frieza. A velhinha, sem saber nem onde deixou a carteira, faz uma cara de desespero e procura a bolsa, que está soterrada embaixo das compras mal empacotadas onde você vê que os produtos de limpeza estao na mesma sacola onde está o pao integral.
Com esforco, a velhinha exausta tira a carteira da bolsa e paga. A atendente já despacha o comprovante de compras e deseja um bom dia. E se vira automaticamente para o próximo cliente. A metade das compras da velhinha ainda estao sobre o caixa. E você paga e passa pela velhinha desorientada e descabelada com seus dois produtos na mao, sem estresse, sem agonia e com um sorrisinho maldoso no rosto.